BRASIL: De punhos fechados, mas com as mãos nos bolsos?
Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida.
Sabedoria popular chinesa
Agora era hora de lutar. Uma oportunidade está sendo perdida. Os líderes sindicais anunciaram uma suspensão do dia nacional de greve da próxima terça dia 05/12, sem sequer indicar se têm um plano alternativo. Nada. Este tipo de cegueira parece inexplicável. Mas não é. Mais que um erro de cálculo, estamos diante de uma deserção. Deserção é o abandono da luta. Mais que diante de um recuo das Centrais Sindicais, à excepção da CSP/Conlutas, da CTB e das Intersindicais, estamos diante de uma renúncia, uma demissão. Trata-se de uma decisão, simplesmente, desastrosa.
Foi tão inesperada e desconcertante que está produzindo espanto e assombro generalizado. Milhares de ativistas sindicais e populares das mais variadas correntes estão trocando mensagens indignadas neste momento. E eles têm razão para estarem zangados. Zangados, em especial com a direção da CUT. Afinal, ela não somente é a maior Central Sindical, como ainda é percebida, por uma parcela mais combativa dos ativistas nas empresas, como um instrumento autêntico de luta. Que Paulinho da Força Sindical, a UGT, A CSB e a Nova Central estejam dispostos, como sempre, a abrir negociações com o governo para garantir, por exemplo, uma compensação pelo fim do imposto sindical não surpreende. Mas que a CUT tenha cedido às pressões da Força Sindical está sendo uma decepção. Ensina a sabedoria popular: “Nunca foi um bom amigo quem por pouco quebrou a amizade”. De fato a posição da CUT é grave, embora, a rigor, tampouco, seja um espanto.
Afinal, recordemos que o início do segundo mandato de Dilma Rousseff, com a indicação de Joaquim Levy por Trabuco do Bradesco, foi marcado pelo anúncio de um reforma da Previdência. Incluindo, inclusive a cláusula da idade mínima, defendida, recentemente, por Nelson Barbosa, ex-ministro do Planejamento dos governos liderados pelo PT.
Toda luta política e social tem o seu tempo. Há horas em que é preciso avançar e arriscar. Outras em que é necessário manter posições e ganhar tempo. E há, também, outras em que recuar de forma organizada é mais prudente do que medir forças. Por exemplo, quando o perigo de uma derrota maior se desenha como muito provável.
Mas agora não era hora de recuar. A decisão do governo Temer, sob pressão do “mercado”, ou seja, dos capitalistas, de postergar a votação da reforma da Previdência até ter a certeza da sua aprovação não justifica a suspensão. O governo sabe que precisa de tempo. No entanto, o governo sabe, também, que tem pouco tempo, porque o Congresso entrará em recesso. E a votação da reforma da Previdência em ano eleitoral será ainda mais complicada. Temer corre para mostrar serviço e fazer a “grande maldade”, reconhecidamente impopular, o mais rápido possível. Não foi por outra razão que lançou uma campanha de publicidade para tentar reduzir o repúdio de massas à introdução da idade mínima como critério. Por isso mesmo era necessário dar uma demonstração de força do movimento sindical e dos movimentos populares. Para pelo menos tentar dividir o campo do inimigo.
A suspensão do dia nacional de greve é uma aposta na hipótese de que as dificuldades do governo em disciplinar a sua base serão intransponíveis. Trata-se de um cálculo muito duvidoso, perigosíssimo, irresponsável. Quem não sabe contra quem luta não pode vencer. A pressão em uníssono da burguesia sobre o Congresso Nacional não pode ser subestimada.
Admitamos que era difícil saber a dimensão do dia de Greve Nacional da próxima terça. Prognósticos para o futuro são como os contrafactuais para o passado. Marxismo se inspira em boa ciência. É necessário medir, ponderar, ajustar, calibrar a força de pressão de distintos fatores que exercem pressões de primeiro, segundo, terceiro grau. Como sempre, estávamos diante de incertezas. Uma questão de método nos obriga, pela necessidade de rigor, a reconhecer que este prognóstico deve ser condicionado pelo cálculo de probalidades. Mas podemos afirmar que não se tratava de uma aventura. Seria um grande dia nacional de luta, na pior das hipóteses. A principal razão é que a maioria da população compreendeu que a reforma da Previdência será uma destruição de direitos. Grandes categorias, onde a organização é maior, já tinham decidido parar. Os petroleiros, por exemplo, estão em campanha salarial. A resistência ao governo só tinha a ganhar com a Greve Nacional do dia 05/12. Ela poderia até ser inferior ao dia 28 de abril (por suposto, todos desejávamos que fosse tão grande, ou maior), e ainda assim seria positiva, porque exerceria uma pressão ameaçadora do que poderia vir em seguida.
Estamos, infelizmente, em uma situação defensiva, por razões que remetem à evolução desfavorável da relação social de forças, mas se há uma batalha política e ideológica que o governo Temer e a classe dominante não ganharam nos últimos anos foi a da suposta necessidade inadiável da reforma da Previdência Social. Não só não convenceram os trabalhadores, a classe operária, o semi-proletariado, as massas populares, mas até uma parcela importante das camadas médias não foi convencida.
Não é difícil compreender que a suspensão da Greve Nacional da próxima terça dia 05/12 facilita a articulação em favor da reforma da Previdência. Trata-se do momento culminante do ajuste fiscal, o ataque mais cruel contra os direitos sociais. Acontece que o calendário de final de ano encurrala o governo a exercer a máxima pressão. Há poucas semanas, uma simples declaração de Temer transferindo para a Câmara de Deputados a responsabilidade pela possível não aprovação da reforma antes das eleições de 2018 fez o dólar subir e a Bolsa cair. A relação entre os destinos privados e os dramas históricos em que as grandes massas estão envolvidas só se revela em situações excepcionais. Esse processo, necessariamente, lento, não possui atalhos, é o caminho de uma experiência que se constrói na luta, e através da luta. Agora era hora de lutar. E os líderes chamaram o recuo. Mais que um erro de cálculo, estamos diante de uma deserção.
Os líderes sindicais dizem que estão de punhos fechados. Hoje colocaram as mãos nos bolsos.
Valerio Arcary (Dirigente del MAIS, integrante del PSOL de Brasil)